Estudo revela que a crotoxina, uma proteína do veneno da cascavel, pode regular a via da acetilcolina, abrindo novas possibilidades para o tratamento da esclerose múltipla.
Pesquisadores do Instituto Butantan identificaram um novo alvo para o tratamento da esclerose múltipla (EM) utilizando a crotoxina, uma proteína derivada do veneno da cascavel. O estudo, publicado na revista Brain, Behavior, and Immunity, realizado em modelos animais, mostrou que a crotoxina evitou o desenvolvimento da doença em 40% dos casos tratados, destacando a importância da regulação da via da acetilcolina no controle da EM.
Os resultados revelaram que os animais que não desenvolveram a doença apresentaram níveis aumentados de genes para receptores onde a acetilcolina atua, enquanto os que ficaram doentes tiveram esses genes suprimidos.
“A acetilcolina é um neuromodulador do sistema nervoso central. Nós vimos que alguns receptores nessa via estavam diminuídos nos modelos animais que tiveram a doença, e aumentados naqueles tratados com crotoxina. Dados da literatura já mostravam uma diminuição de acetilcolina em pacientes com esclerose múltipla”, explica Gisele Picolo, diretora do Laboratório de Dor e Sinalização do Butantan e responsável pela pesquisa.
A descoberta de que a regulação da via da acetilcolina pode ser crucial para o controle da EM abre novas perspectivas para o tratamento da doença. No entanto, a crotoxina é neurotóxica e não pode ser utilizada clinicamente. Para contornar esse problema, os pesquisadores buscaram um medicamento existente que pudesse regular a mesma via sem os riscos associados à toxina.
Os cientistas testaram então um fármaco já utilizado no tratamento do Alzheimer, que inibe a degradação da acetilcolina. Este composto também se mostrou eficaz em modelos animais de esclerose múltipla, aumentando o tempo de ação da acetilcolina no sistema nervoso central, embora não interferisse diretamente na expressão dos receptores.
“Atuando em vias semelhantes às reguladas pela crotoxina, a substância melhorou parâmetros como dor, comprometimento motor e neuroinflamação”, explica Gisele
A crotoxina integrada a uma nanoestrutura de sílica também está sendo testada, uma inovação do grupo liderado pelo pesquisador Osvaldo Brazil Sant’Anna. A utilização dessa nanopartícula conseguiu diminuir a toxicidade da crotoxina, permitindo que fosse administrada de forma segura em uma dose única mais elevada e, ao mesmo tempo, potencializando seu efeito terapêutico. Esse tratamento não apenas reduziu a dor, mas também evitou a atrofia e a perda de função muscular nos animais.
A pesquisa conduzida pelo Instituto Butantan oferece uma nova visão sobre o tratamento da esclerose múltipla, destacando a importância da via da acetilcolina. Embora a crotoxina não possa ser usada clinicamente, a descoberta de que um medicamento existente pode mimetizar seus efeitos abre a porta para novas abordagens terapêuticas. Ainda em estágio inicial, a pesquisa precisa de mais estudos antes de se tornar um tratamento disponível, mas representa um avanço promissor na busca por melhores soluções para a esclerose múltipla.
Saiba mais sibre esclerose múltipla
A esclerose múltipla (EM) é uma doença autoimune crônica que afeta o sistema nervoso central, especificamente o cérebro e a medula espinhal. Caracteriza-se pela degradação da mielina, uma camada protetora ao redor dos axônios, prolongamentos dos neurônios, que compromete a comunicação entre o cérebro e o restante do corpo.
“Trata-se de um processo chamado desmielinização. Por falha do sistema imune, o próprio organismo começa a atacar a bainha de mielina, que para de responder corretamente. Por isso a esclerose múltipla é considerada uma doença autoimune”, explica Gisele.
A doença pode levar a uma ampla gama de sintomas físicos e cognitivos, variando em gravidade e progressão, que podem incluir fadiga, exaustão intensa que não é proporcional à atividade realizada, problemas de visão como visão embaçada ou dupla, perda de visão em um olho, distúrbios motores como fraqueza muscular, espasmos e problemas de coordenação e equilíbrio, além de sensações anormais como formigamento, dormência ou dor em várias partes do corpo. Problemas cognitivos também são comuns, manifestando-se como dificuldades de memória, atenção e processamento de informações. Além disso, problemas urinários e intestinais, como necessidade frequente de urinar ou constipação, podem ocorrer.
A causa exata da esclerose múltipla ainda é desconhecida, mas acredita-se que uma combinação de fatores genéticos e ambientais contribua para o desenvolvimento da doença. Alguns fatores de risco conhecidos incluem histórico familiar de EM, infecções virais, como o Epstein-Barr, baixa exposição à luz solar e níveis reduzidos de vitamina D. A doença é mais comum em mulheres do que em homens e pessoas de ascendência europeia têm maior risco.
A esclerose múltipla não tem cura, e seu diagnóstico é desafiador e geralmente envolve uma combinação de exames clínicos e testes de imagem. Os principais métodos incluem ressonância magnética (RM) para identificar lesões no cérebro e na medula espinhal, punção lombar para exame do líquido cefalorraquidiano e testes evocados, que avaliam as respostas elétricas do cérebro a estímulos visuais e sensoriais. Exames de sangue também são usados para descartar outras doenças que podem causar sintomas semelhantes.
Alguns tratamentos podem ajudar a controlar os sintomas e a reduzir a progressão da doença. Medicamentos modificadores da doença (DMTs) podem reduzir a frequência e a gravidade das recaídas, enquanto corticosteroides são usados para tratar exacerbações agudas. Terapias de reabilitação, como fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia, são importantes para melhorar a mobilidade e a função. Além disso, tratamentos sintomáticos, como medicamentos e técnicas específicas, podem aliviar sintomas como espasticidade (atividade muscular involuntária), dor e problemas urinários.
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